14 de janeiro de 2010

Pontével/Cartaxo Domingo, 10 Janeiro 2010

Agora que já sinto a ponta de (quase) todo os dedos, já posso relatar a aventura ciclística que teve lugar em Pontével.

Assim que acordei fui logo à janela ver se estava a chover - e estava!
De seguida fui espreitar a estação meteorológica para ver se estava frio na rua - 5 graus!
O Sol(!?!) ainda não nascera e o vento era audível.
Tive medo.

Vesti a fatiota (incluindo umas novas 'ceroulas' para BTT), tomei o pequeno almoço e desci para a garagem.
Confesso que hesitei bastante. Se o evento não tivesse lugar numa área que me interessa explorar, provavelmente não teria ido. Mas fui, confiante na melhoria dos agentes climáticos (estúpido!).

Tive tanto medo do vento que optei por levar a bike dentro do carro.

Primeiro sinal de dificuldades:
um painel da CREL dizia 'Gelo - Precaução'. Olhei para o termómetro. 3 graus. Pensei 'bonito serviço'.
Lá segui, sempre de olho no termómetro - nunca ultrapassou os 4.
Cheguei a Pontével às 8h40. A partida era às 9h00.
Estacionei atrás dos outros carros todos.
Perguntei onde era o Secretariado. Fiquei a saber que era a cerca de 1km dali.
Toca a tirar a bicicleta, tentar fazer com que as pernas se mexessem apesar do frio lancinante e procurar o secretariado.
Pelo caminho, já muitos ciclistas tentavam, em vão, fazer o aquecimento.
Como era de esperar havia uma fila enorme no secretariado para levantar as garrafas de vinho...ah, e os dorsais, claro.
À hora de partida prevista começou/continuou a gerar-se a confusão.
Enquanto 150 eram mandados para um lado, outros 150 eram mandados para a direcção oposta, enquanto outros 96 andavam de um lado para o outro a chamar nomes feios à organização.
Meia hora depois (9h30) o pessoal enervou-se e arrancou para onde estava virado. A organização decidiu chamar àquilo 'partida'.
Começou a chover. Bonito!
'Colei-me' aos primeiros (onde se incluía o Marco Chagas, que viria a terminar em 4º). Segui sempre coladinho nos primeiros 368 metros...
Depois foram-se embora e descobri que também estava ser 'explorado', pois os últimos colaram-se a mim...malandros!

Até aos 10km até 'correu' tudo bem, ou melhor, 'deslizou' (na lama).
Nesse ponto surgiram logo 2 ou 3 subidas seguidas que rebentaram com o pelotão. Uma delas era quase impossível de subir montado, pois os pneus resvalavam na lama e não se conseguia avançar. Aliás, até foi um problema para subir à mão, pois os 'chanatos' também escorregavam (dois passos para a frente e um para trás). Lá mais para a frente no percurso iriam surgir mais 3 destas. Bonito!

Aos 14km já ansiava pelo reabastecimento (o total previsto era 30km e costuma ser a meio). Já (ainda?!) não sentia os dedos dos pés e os das mãos iam pelo mesmo caminho.
15km, nada. 16km, lama, 17km, nada, 18km, dores, 19km, muita lama. Por esta altura já deveria ter desconfiado que havia marosca.
Lá estava finalmente o posto de reabastecimento, cerca dos 20km. Fiz o meu ar mais confiante quando parei...e tive sorte por não cair a desmontar.
Aprendi bastante neste posto. Descobri um método infalível para aferir sobre a nossa classificação nestes eventos: SE chegamos ao reabastecimento e já não há bananas, nem chocolates, nem barras energéticas, nem bebidas energéticas, MAS há cascas de banana, embalagens vazias de chocolate e de barras energéticas e garrafas de bebidas energéticas vazias, ENTÃO é porque devemos ser dos últimos a passar ali.

Após alguns momentos de reflexão sobre este assunto, bebi uma (das 5 que sobravam) garrafa de água de 33cl à temperatura ambiente (GELADA, tal como a que eu carregava às costas). Aproveitei para sacudir grande parte da lama que carregava no calçado, fiz com ela um castelo de sete andares e segui viagem, devorando UMA barra energética que trouxera de casa.

A barra milagrosa, juntamente com a bela da água mineral quase congelada, permitiu-me seguir até ao km 25 sem sentir grandes maleitas (não quer dizer que não as tivesse, simplesmente já não as sentia - no cóccix e partes adjacentes já as células sensitivas haviam tomado o mesmo rumo das das mãos e dos pés). De qualquer modo, de vez em quando sentia uns 'esticões' nos músculos das coxas. Sempre por percursos enlameados, intercalados com percursos muito enlameados. Aqui e acolá também surgiam zonas extremamente enlameadas, algumas delas com ciclistas especializados em biatlo, que aproveitavam para treinar mais a sua natação. Não havia fracturas expostas, segui caminho. Pouco mais à frente havia um 'doping' especial: um cão solto e a ladrar aos calcanhares incentivava os atletas.

Após a marca dos 25km havia uma subida valente, que terminava num entroncamento com uma estrada alcatroada. Lá estava um elemento da organização a indicar o caminho. Aliás, tirando o disparate inicial com a história da partida em 3 locais diferentes, no campo da marcação do percurso a organização esteve bastante bem...e em todos os cruzamentos com alcatrão havia elementos da organização, a maior parte deles com pelo menos um olho aberto.

Parei junto ao colaborador da organização. ERRO!
Conforme pousei o pé direito no chão ZÁZ! Uma cãibra na coxa direita. BONITO!
Após alguns esgares de dor, a coisa compôs-se.
Estava ao km 25. Faltavam, portanto, apenas 5km. Não podia desistir.
Seria inglório. O GPS indicava 5km para a meta (em linha recta!).
Achei muito, mas lá segui caminho, após o malandro me ter dito: 'é por ali e é fácil'.
Ao Km 26 ZÁZ!!..outra coxa a dar o berro! Mais uma breve paragem, mais uns esgares. Curtíssima pausa e toca a cambalear, digo, a pedalar.
Faltavam 4km. Falta pouco. Ao km 27, algo completamente novo: uma cãibra.
3km. Último esforço. Descida. Plano. Descida. Subida. Cãibra. Descida.
Lama. Areia. Cãibra.
Falta 1km. Estranhei, pois estávamos no meio de nada e o GPS marcava 3km em linha recta(?!).
Aos 30km...nada! MAU! Anda aqui um mamífero urbano preso por um fio e não puseram aqui a meta?!?!....
31km. Nada.
32km. Nada, à excepção de duas ou 3 cãibras.
33km. Nada.
34km. GPS marca 300m em linha recta. Isto vai!
Mais curvas a desviar a trajectória! BOLAS! Isto não vai!
Finalmente, a meta, aos 35km.
Passei a meta. Parei. Dores. Tentei sorrir, enquanto me apercebi de um outro problema.
Aula de Biologia: com 4 graus não se transpira muito. Mesmo assim, bebi cerca de 2 litros de água. Qual o resultado? Depois da prova terminada, em 45 minutos despejei a bexiga 3 vezes, uma delas numa casa de banho.
Parou de chover. Agora?!?!?

Próximo desafio: trocar de roupa e colocar a bike em cima do carro, sem o auxílio do sentido do tacto. Ainda não sentia os dedos dos pés e das mãos - sapatos, meias, luvas, tudo ensopado. Calções, ceroulas maricas, camisola, mochila, etc, tudo coberto de lama.
Troquei de roupa no meio da rua. Cada movimento era penoso e ainda estava frio. 4 graus (e já passava do meio dia).

Fiquei na 208ª posição, entre os 223 que terminaram os 35km (agora é que dizem que eram 35!!!). O Marco Chagas ficou em 4º. Fez um tempo 22% superior ao que tinha feito em Salvaterra. E eu também! Curioso!
Nos 60km só terminaram 45 malucos.

Mesmo assim estou satisfeito, pois eram 396 à partida e só 268 terminaram. Muitas desistências!
O terreno estava muito complicado...

Rodei muito tempo completamente sozinho. Perto das casas também não se via vivalma - deviam ter ido para a praia, apanhar camarão congelado.
A bike tem uma 'camadona' de lama (acho que só sai com escopro e martelo).

Inté,

bio_nikon

5 comentários:

José Pedro Farinha disse...

Grande Guilherme, sempre em grande...

Unknown disse...

Pois, a meio reconheci o estilo literário!

Estava a ver muita prosa da boa!

Sim senhor!

Saudações!

DaniboY

EBR disse...

Epá, já deu para mandar umas belas risada.

Obrigado Guilherme.

Sérgio disse...

Muito bom!

Venham mais crónicas.

Tony Falls disse...

Excelente crónica Guilherme.
Abraço,
Tony.